O sistema capitalista vigente, marcado por uma cultura de consumo desenfreado de produtos e serviços de diversos setores, requer a extração de recursos ambientais sem precedentes e limites, de maneira a atender as demandas constantes e insaciáveis das sociedades (SOUZA et al.,2014.) Essa busca por recursos em larga escala é tema de discussões internacionais, sobretudo no contexto das mudanças climáticas e dos danos ambientais, como debatido nas conferências de Estocolmo (1972) e da Rio-92 (1992).
O setor da moda, inserido na indústria têxtil, está diretamente relacionado a essa problemática, especialmente por meio do sistema fast fashion. Esse modelo caracteriza-se pela produção em massa com ciclos de vida dos produtos cada vez mais curtos, prometendo agilidade na entrega de peças de vestuário a baixos preços (ARAÚJO; BROEGA; RIBEIRO, 2014).
O conceito fast fashion (moda rápida) refere-se à troca constante de coleções no varejo de moda, com o objetivo de acompanhar as tendências momentâneas. Apesar do termo já existir desde 1990, foi somente nos últimos anos que esse modelo se intensificou, principalmente no Brasil, com sua adoção por lojas de departamento e em empresas do setor (SEBRAE,2019). Segundo Ana Paula Nobile Toniol, a globalização foi fundamental para a consolidação do fast fashion, em conjunto com o crescente acesso à internet e aos novos meios de comunicação, que facilitaram o contato com culturas e costumes de diferentes países.
A velocidade de disseminação das tendências através das redes sociais e da televisão, impulsionou ainda mais o consumo de peças de vestuário, intensificado pelas relações comerciais com países asiáticos e pelo investimento das marcas em roupas que remetem à alta costura com preço e tempo de uso reduzidos (TONIOL,2022).
Em contrapartida, esse sistema também acelera o descarte das peças, muitas vezes destinadas a lixões e aterros sanitários, o que provoca sérios impactos ambientais, além de contribuir para condições precárias de trabalhos às quais muitos funcionários são submetidos (TONIOL,2022).
Para reduzir significativamente os custos, muitas empresas transferem sua produção para países cuja mão de obra é barata e possui baixos impostos, dando margem para a prática de trabalho análogo à escravidão, como já identificado na China, Bangladesh e alguns países da América. Além disso, para tornar as peças acessíveis no mercado, a qualidade da matéria prima utilizada nas produções deve possuir custo reduzido (TONIOL,2022).
Para isso, substituem-se as fibras naturais, como o algodão pelas fibras sintéticas, como o poliéster. O poliéster, uma fibra derivada do petróleo e classificada como um tipo de resina plástica, pode levar cerca de 200 anos para se decompor no ambiente. Durante os processos de tingimento, estamparia e até mesmo durante a lavagem doméstica, as fibras liberam micro e nanopartículas que contaminam as águas. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, cerca de 35% das partículas micro plásticas presentes nos oceanos provêm da lavagem de roupas, causando danos irreparáveis aos ecossistemas marinhos — como ingestão de plásticos, perda de habitats e desequilíbrios nas cadeias alimentares. Essas partículas também dificultam o tratamento de água, uma vez que as estações de tratamento não conseguem filtrá-las adequadamente, representando um risco à saúde humana.
Diante dos impactos socioambientais provocados pelo fast fashion, uma das estratégias mais eficazes para mitigá-los é a adoção do slow fashion. Este conceito propõe uma ruptura com o consumo desenfreado de roupas e incentiva a produção e o consumo conscientes. As peças slow fashion são confeccionadas com maior durabilidade, geralmente a partir de tecidos biodegradáveis, fibras naturais e tinturas menos agressivas ao meio ambiente, como os corantes naturais. Além disso, há uma valorização de produções locais e éticas, que respeitam os direitos trabalhistas, promovendo a justiça social dentro da cadeia produtiva (FLETCHER, 2010).
Outra alternativa importante está na educação do consumidor, promovendo mudanças culturais sobre a forma como as roupas são vistas e utilizadas. Incentivar o reuso, o conserto e a doação de roupas, bem como o questionamento sobre a real necessidade de novas aquisições, são ações simples, mas que contribuem diretamente para a diminuição da demanda por novas peças e, consequentemente, da pressão sobre os recursos naturais. Projetos de economia circular, como brechós, aluguel de roupas e customização de peças, também vêm ganhando espaço nesse contexto, contribuindo para a extensão da vida útil dos produtos têxteis (WRAP, 2017).
Por fim, a regulamentação ambiental e fiscal da indústria da moda pode funcionar como um instrumento eficaz de controle. A criação de políticas públicas que incentivem práticas sustentáveis, aliadas a exigências legais quanto à destinação adequada de resíduos, uso de insumos menos poluentes e rastreabilidade das cadeias produtivas, é essencial para transformar o setor. Apenas com uma ação conjunta entre consumidores conscientes, empresas responsáveis e políticas reguladoras, será possível mitigar os impactos ambientais e sociais do fast fashion e trilhar o caminho para um modelo de produção e consumo mais sustentável (UNEP, 2020).
ARAÚJO, M. B. M.; BROEGA, A. C.; RIBEIRO, S. M. Sustentabilidade na moda e o consumo consciente. In: XIX Seminário acadêmico APEC - O local, o global e o transnacional na produção acadêmica contemporânea, 2014, Barcelona
ASSOCIAÇÃO BAIANA DOS PRODUTORES DE ALGODÃO (ABAPA). Microplásticos que saem das roupas na lavagem estão em todos os lugares, até mesmo nas geleiras, diz especialista. 2020. Disponível em: https://abapa.com.br/mais-noticias/microplasticos-que-saem-das-roupas-na-lavagem-estao-em-todos-os-lugares-ate-mesmo-nas-geleiras-diz-especialista/. Acesso em: 18 abr. 2025.
CONSELHO REGIONAL DE BIOLOGIA – 7ª REGIÃO. Uma só Terra: Conferência de Estocolmo completa 50 anos. 2022. Disponível em: https://crbio07.gov.br/noticias/uma-so-terra-conferencia-de-estocolmo-completa-50-anos/. Acesso em: 17 abr. 2025.
FLETCHER, Kate. Sustainable fashion and textiles: design journeys. London: Earthscan, 2010. p. 1-25.
GALVÃO, Julia. Deserto de roupas do Atacama é consequência direta do mercado de “fast fashion”. Jornal da USP, 5 out. 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/deserto-de-roupas-do-atacama-e-consequencia-direta-do-mercado-de-fast-fashion/. Acesso em: 17 abr. 2025.
GUIMARÃES, Yrlaine de Souza. A relação entre o consumo do 'fast fashion' e sustentabilidade ambiental: uma análise com estudantes universitários pessoenses. 2019. 22 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Administração) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/17219/1/YSG30032020.pdf. Acesso em: 17 abr. 2025.
JORNAL DA USP. Produz, vende, usa, descarta: pesquisadora analisa o consumo de moda rápida a partir da economia da cultura. 2022. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/produz-vende-usa-descarta-pesquisadora-analisa-o-consumo-de-moda-rapida-a-partir-da-economia-da-cultura/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 17 abr. 2025.
SILVA, Yasmin de Souza Gomes da. Fast fashion: consumo, sustentabilidade e impactos ambientais. 2020. 79 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Engenharia de Produção) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2020.
TONIOL, Ana Paula Nobile. É moda ou é lixo?: uma etnografia da moda rápida e de seus descartes. 2022. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-07102022-111737/publico/2022_AnaPaulaNobileToniol_VCorrig.pdf. Acesso em: 17 abr. 2025.
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